Quem nunca ouviu, num ou outro momento de queixa ou mal-estar, aquele velho chavão: “isso é psicológico!”?
Pois é, já todos ouvimos. Mas afinal, o que quer isso dizer?
É quase sempre uma forma de desvalorizar uma queixa. De assinalar um exagero, ou uma coisa construída e elaborada, que escapa ao “real”.
Mas o que é “real”? A realidade é o que construímos através da nossa percepção. Muito do que apreendemos do real é igual (ou melhor, muito semelhante) ao que os outros apreendem. Por exemplo, se eu olhar o céu e estiver nublado, isso será reconhecido por todos, e não apenas por mim.
Mas há sempre um filtro que colocamos na realidade que percebemos. Porque vemos com os nossos olhos, sentimos com a nossa pele, ouvimos com os nossos ouvidos, e é a nossa cabeça que vai gerir e trabalhar com toda essa informação. Sendo cada um de nós um ser único, com experiências únicas, é fácil perceber que essa leitura da realidade e respetivas respostas comportamentais e emocionais vão ter muitas variações.
Como um espetro de cor: não há só um azul - há o azul claro, azul escuro, azul celeste, azul céu…
Ou seja: O “isso é psicológico” lá aparece quando sentimos algo diferente ao que os outros acham que devemos sentir perante uma determinada situação.
Se uma pessoa se picar ao de leve numa agulha, não é esperado que grite desesperada com dores, ou que desmaie.
Se um estudante baixa ligeiramente as notas, não se espera que isso seja suficiente para despoletar uma depressão.
Se uma pessoa não está doente nem tem um grande problema para resolver, não se espera que não consiga dormir.
“Isso é psicológico”. Pois é. Se calhar é mesmo. Na verdade, tudo o que não tem explicação numa causa física (doença, distúrbio, deficiência) é psicológico. E quase toda a nossa realidade cabe aí. No “psicológico”.
O problema não é ser “psicológico”, ter origem na “cabeça” ou nas “ideias”. O problema é que a expressão é usada no sentido da desvalorização do problema.
- Sim, descobri que é psicológico. E não perde importância por causa disso.
A desvalorização do “psicológico” está entranhada na nossa cultura e continua a dificultar o acesso aos cuidados de saúde mental. Se é psicológico, é tontice, é maluqueira, tira isso da cabeça. Pensa noutra coisa. Vai fazer uma caminhada. Bebe um copo.
Não.
Não é assim.
Se o problema afeta a vida da pessoa, se permanece ao longo dos dias, se lhe causa dor e mal estar ou perda de qualidade de vida - pouco importa se é psicológico. Tem de ser considerado, avaliado, tratado. Como se de um problema físico se tratasse. Não é menor porque é “da cabeça”. Porque é a cabeça que manda em tudo, ou quase tudo.
Está na hora do “isso é psicológico” passar a ser o primeiro passo para procurar ajuda.
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